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A melhor música de todos os tempos da última semana

A melhor música de todos os tempos da última semana

Você é fã de uma banda. Aí descobre que ela vai lançar um CD. Aí senta e espera, afinal, depende da gravadora-super-poderosa a decisão de quando o disco estará nas lojas. A banda resolve lançar uma versão promocional antes do bolachão estar à venda. Duas músicas e você ali, ansioso, esperando pelas outras faixas. Agora, o disco acabou de ser lançado e as cifras que você vai desembolsar por ele já não importam, o que vale é ter na prateleira do seu quarto O disco. Se reconheceu nessa saga? Ou achou isso tudo anos 80 e 90 demais?

Claro que hoje em dia também existe toda essa expectativa em relação aos lançamentos do mercado musical, mas é fato que a internet reinventou – e ainda vem mudando – muita coisa na música nossa de cada dia.

Com o compartilhamento de arquivos e as facilidades que a rede proporciona, vive-se um processo revolucionário na maneira de consumir música. Se antigamente era preciso desembolsar alguns bons reais (ou cruzados!) para ficar por dentro das novidades – especialmente aquelas que as rádios comerciais ainda não estavam tocando –, agora basta ter acesso à internet para que um mar de possibilidades e aventuras sonoras se abra à sua frente.

O problema é o limbo que se cria no meio desse maremoto de novos produtos que são colocados à disposição no formato macarrão instantâneo. Passados os cinco minutos, tudo muda e o seu fôlego parece que precisa estar sempre renovado para conseguir dar conta das novas sensações. Se distraiu ouvindo aquele novo hit? Dê um jeito de correr atrás do prejuízo, meu amigo, porque já não é mais esse o top das paradas no Facebook e YouTube. Ao mesmo tempo em que expor um trabalho ficou muito mais fácil, o risco de não ser visto também é grande. Vence quem tem mais talento? Ou vence quem tem mais visualizações? Ou o mais bizarro? Ou ninguém vence? Ou, com a internet, tem espaço para tudo e todo mundo fica feliz?

Virais: um dia eles vão te pegar

Nesse universo onde tudo acontece tão rápido, músicas se tornam hits – os chamados virais – antes mesmo dos artistas terem lançado algum disco. Em 2011, era o fulano e o beltrano compartilhando o clipe Oração nas suas redes sociais, e é bem possível que você tenha entrado na onda sem nunca ter ouvido falar da Banda Mais Bonita da Cidade antes. O grupo curitibano publicou um vídeo de seis minutos de duração e em três dias o material registrou mais de 400 mil visualizações no YouTube.

Esse boom é permitido pela facilidade com que tudo acaba vazando na internet. Até mesmo as canções que o próprio público considera ruins ganham notoriedade justamente pela sua carga cômica. Ou seja: independente do que chama a atenção (a qualidade, a novidade, o absurdo, o impensável, o ridículo), o número de likes e visualizações vai subindo na velocidade da luz. Lembram do “vou não, posso não, quero não, minha mulher não deixa não…¹”? O cantor Reginho protagonizou até polêmicas sobre a propriedade intelectual da canção que lhe rendeu sete milhões de visualizações em 2011 no YouTube e, de quebra, várias aparições em programas de TV: da internet diretamente para o sofá da sua sala no domingo à tarde. Na leva de produções mais caseiras, vídeos despretensiosos ganharam grande repercussão na web em 2012. E neles vemos novamente a estética do bizarro. Para a nossa alegria² e Nissim Ourfail³ estão aí para nos mostrar como nasce um viral.

Quem não se deixou ser pego pelo Ai se eu te pego⁴ do Michel Teló que atire a primeira pedra. O sucesso de proporções internacionais já contabilizou 490 milhões de exibições no YouTube até abril desse ano. Em janeiro de 2012, bateu recorde na rede ao ultrapassar as 100 milhões de visualizações, número nunca alcançado por um videoclipe no Brasil. Mais recentemente foi Gangnam Style⁵ que tomou conta do mundo e fez de Psy um popstar, com direito à visita ao Obama e tudo. O vídeo atingiu em novembro de 2012 a marca de 805 milhões de visualizações, ultrapassando Baby, de Justin Bieber, e tornando-se o mais visualizado da internet de todos os tempos. Atualmente, já são mais de um bilhão de acessos.

Uma câmera na mão e uma música na cabeça

Há três décadas, o do it yourself foi a doutrina do faça-você-mesmo das bandas punks da Inglaterra. Seus integrantes eram responsáveis por todas as etapas do trabalho: produção, gravação, divulgação, venda dos discos. E isso representava algo diferente, tanto que se destacava pela rebeldia, por fugir do convencional em uma época em que todo artista precisava, no mínimo, de uma gravadora para auxiliar na divulgação do seu trabalho. Hoje em dia ninguém associa as músicas compartilhadas na rede ao movimento punk, (e a ideia nem é essa) mas o faça-você-mesmo nunca contou com uma aliada tão forte quanto a internet. Foi por meio dela que ficou mais barato e fácil produzir e divulgar um disco ou apenas algumas músicas.

Jornalista, escritor e crítico musical, nos anos 80, Arthur Dapieve viu crescer no Brasil um movimento forte no cenário da música. Viu bandas de garagem com fitas caseiras como Barão Vermelho, Titãs, Ultraje a Rigor e tantas outras tornarem-se grandes ícones da juventude e de uma geração que lutava pelo retorno da democracia. E viu tudo isso acontecer sem MP3, iPod, iTunes, CD…

Naquela época o esquema era outro: “Nos anos 80, não havia internet, mas se criavam eixos de divulgação do trabalho. Por exemplo, Circo Voador e Rádio Fluminense FM no Rio. A TV tocava mais música, até o Fantástico produzia seus próprios clipes… Essa peneira ajudava a legitimar e a divulgar as bandas que estavam surgindo”, conta. A banda paulistana Ultraje a Rigor fez grande sucesso nos anos 80. As gravações⁶ toscas e sem nenhum requinte tecnológico, assim como as de outras bandas de garagem da época, eram marca registrada. (Foto: Divulgação Ultraje a Rigor)

A melhor música de todos os tempos da última semana

Para Dapieve, quem quer se manter no mercado atual da música e usar a internet para isso – aliás, é quase impensável não utilizá-la como fonte de divulgação atualmente – precisa de muito trabalho. Responder às interações é essencial, assim como preocupar-se com a qualidade dos materiais publicados e com a divulgação deles. Segundo ele, num passado recente, quem fazia parte desse trabalho e facilitava esse processo eram as gravadoras, que acabavam atestando ou não a qualidade dos artistas e servindo como referência.

Não significa que o fato de ter se popularizado por causa da internet faz do artista menos talentoso. Dapieve ressalta que esse preconceito está cada vez menor: “Os Arctic Monkeys são um exemplo de banda nascida na internet com grande conceito crítico. Mesmo o coreano Psy, recordista na web⁷, fez uma música pop boa e um clipe engraçado para Gangnam Style”. O que ocorre é que atualmente a dispersão inerente à internet acaba criando um buraco negro, onde muita gente boa se perde.

Canal direto com os fãs

Nesse admirável mundo novo apresentado pelas tecnologias digitais, muitos artistas enxergam outras possibilidades para divulgar suas músicas. Há quem deixe o CD gratuito disponível para download no site ou quem divulgue tudo no iTunes, por exemplo. A aposta da banda Radio Gump, de Joinville (SC), foi outra: o Catarse⁸. Por meio do financiamento coletivo, chamado de crowdfunding, o site permite que o visitante interessado na banda seja um patrocinador. No caso da Radio Gump, os apoiadores precisam contribuir com valores que somem R$ 4 mil. A estratégia que começa no digital viabiliza o sonho físico que é finalizar o processo de produção do primeiro CD com a prensagem dos discos.

A melhor música de todos os tempos da última semana

“Conhecemos o Catarse acompanhando outras bandas do cenário nacional, que fizeram o projeto e conseguiram mais de 100% de apoio. Tem sido muito positivo, já estamos com mais de 90% do valor”, conta Carolina Luz, vocalista da banda. Para eles, a internet virou uma ferramenta essencial para divulgação dos trabalhos. Levando em conta que a rede cria um universo quase efêmero de produtos, onde tudo é consumido e também descartado muito rapidamente, é importante lembrar que não existe mágica: “É difícil acompanhar essa produção versus o consumo acelerado, mas essa é uma característica do tempo em que vivemos, então, precisamos correr atrás e nos adaptarmos a isso”, afirma Carolina.

Quatrocentos e trinta mil seguidores no Twitter. Trezentos e setenta mil fãs no Facebook. Três videoclipes com mais de cinco milhões de visualizações cada um. Revelada pela internet e queridinha entre os adolescentes, a banda gaúcha Fresno faz muito sucesso nas redes sociais. Mas nem sempre foi assim. Lá atrás, no começo dos anos 2000, Lucas, Gustavo, Bell e Mario tiveram muito trabalho para tornar a Fresno conhecida. No começo, os quase esquecidos Fotolog e Orkut eram os principais canais para divulgar os trabalhos e comunicar-se com o público. “A internet, que recém estava começando a se popularizar, foi a nossa alternativa. A banda surgiu e cresceu junto com a internet. Não que tenha sido uma tática elaborada por nós, mas era a opção que nós tínhamos”, afirma Gustavo Mantovani, o Vavo, guitarrista da Fresno.

Além de divulgar as músicas, a rede é essencial para a banda conversar com os seus fãs. As novidades são publicadas por todos os integrantes principalmente no Facebook, Twitter e YouTube. Mas eles sabem que o jogo nunca está ganho. “A internet democratiza, com certeza. Se um vídeo tem 10 milhões de visualizações no YouTube, provavelmente é bom e o autor soube divulgar. Qualidade e criatividade são as palavras-chave para se destacar”, comenta Vavo.

Indústria fonográfica: declínio ou novos horizontes?

Você já ouviu falar do fonógrafo ou do gramofone? Pois fique sabendo que eles são os tataravós nascidos no século 19 desse aparelho minúsculo que você carrega a tiracolo todos os dias e que armazena todas as suas preferências musicais e mais um pouco. A música, como expressão cultural e também produto consumido pela sociedade, teve suas maneiras de consumo reconfiguradas ao longo dos anos. Antes era tudo mais linear, mais estável, com menor possibilidade de inovação diante da ausência de tecnologias capazes de dar uma sacudida nesse mercado. Uma das mudanças mais radicais é que, agora, tudo acontece com mais rapidez, por conta da revolução digital.

Com o boom da internet nos anos 2000, um universo de novas possibilidades apareceu para os consumidores. Quem diria, lá nos longínquos anos 90, que seria possível gastar menos de R$ 2 para gravar um CD com mais de 100 músicas só precisando, para isso, ter acesso a um computador. Ou, melhor ainda, ouvir todas as músicas sem pagar nada – Kazaa e Napster fizeram a alegria de muita gente.

Confira a seguir a evolução das formas de consumir música

A melhor música de todos os tempos da última semana

Mesmo assim, há quem diga que nada vai substituir a magia de ouvir uma música em seu toca-discos. É como não conseguir desapegar-se do jornal impresso, do livro de papel. Para Dapieve, haverá sempre lugar para tudo e o que está acontecendo é uma acomodação de camadas. “Quem realmente vive a música vai se manter ligado no CD e até no LP, de melhor qualidade sonora, deixando a internet como uma espécie de couvert para o banquete. Quem quer apenas trilha sonora para malhar, vai se contentar com os MP3s”, afirma.

O fato é que agora a indústria da música precisa achar maneiras de sobreviver à revolução digital e essa tentativa já vem aparecendo em números. Mesmo em tempos de música totalmente livre e gratuita e do declínio das grandes gravadoras, a indústria fonográfica teve um sopro de vida e registrou crescimento em 2012. Foi o primeiro aumento de faturamento desde 1999 que, apesar de pequeno — 0,3% em relação a 2011 — já se mostra como uma luz no fim do túnel para os empresários do setor.

A vilã da história, responsável por quase afundar o mercado da música, pode ser também quem joga agora um bote salva-vidas para a indústria fonográfica. Dos US$ 16,8 bilhões arrecadados no ano passado — nada tão bombástico perto dos US$ 38 bilhões faturados no final da década de 90, no auge dos CDs — 34% vieram de fontes digitais. De acordo com o relatório da IFPI (Federação Internacional da Indústria Fonográfica), nos EUA, Índia, Noruega e Suécia, as vendas digitais já representam mais da metade do faturamento do setor.

A receita digital, cujas vendas totalizaram US$ 5,6 bilhões, foi 9% superior em relação a 2011. O valor corresponde a um terço total do faturamento da indústria fonográfica no ano passado. Do valor registrado pelas vendas digitais, 70% vêm de lojas on-line de download como o iTunes, por exemplo. Segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Disco (ABPD), em 2012, houve aumento de 83% nas receitas brasileiras da área digital, o que já representa mais de 28% do total do mercado nacional.

Lembra da acomodação de camadas citada por Dapieve? Talvez esteja aí: mesmo que o mercado digital da música venha ganhando muita força, dois terços dos consumidores ainda preferem reservar um lugar na estante para as espaçosas capas dos seus CDs e vinis, mesmo que o seu iPod esteja ali, num cantinho, armazenando todas as músicas do seu notebook.

¹ YouTube

² YouTube

³ YouTube

YouTube

YouTube

YouTube

⁷ Arctic Monkeys

⁸ Catarse

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