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Relações líquidas: diferenças entre amizades reais e virtuais

Relações líquidas: diferenças entre relações reais e amizades virtuais

“Um viciado em Facebook se gabou para mim, dizendo que ele havia feito 500 amigos num dia. Minha resposta foi que eu tenho 86 anos, mas não tenho 500 amigos, então presumidamente, quando ele fala “amigo” e quando eu falo “amigo” nós não estamos querendo dizer a mesma coisa”

O relato é do filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que vai fazer 90 anos em 2015. A frase saiu do trecho de um vídeo gravado em 2011 na Inglaterra para o projeto Fronteiras do Pensamento, um ciclo de conferências internacional criado para debater e analisar a época contemporânea, no século XXI, através de debates e perspectivas sobre o passado e o futuro da sociedade.

Bauman defende a tese da sociedade líquida. Líquida no sentido de que as relações, com o passar do tempo, estão ficando cada vez mais superficiais e o contato entre os indivíduos é cada vez menor. Uma de suas mais famosas frases é que “as relações escorrem entre os dedos”. Essa perda de valores, porém, não se traduz em seus estudos em uma falta ou uma necessidade de recuperar aspectos do passado, mas sim em uma necessidade de reinventar e redefinir os valores da atualidade. Nada é permanente.

O vídeo original tem 30 minutos de duração, mas aos 17 minutos e meio, quando o filósofo fala do mundo pós-moderno e da condição do indivíduo na atualidade é quando ele toca no assunto das redes sociais e de comunidade. “Qual a diferença entre a rede e a comunidade?”

Uma das características principais apontadas sobre as distinções entre as relações chamadas reais e as relações online é a diferenciação na dificuldade e na facilidade de se conectar e se desconectar das outras pessoas. Enquanto em relacionamentos pessoais, face a face, a desconexão, o fim de um relacionamento é normalmente difícil e frequentemente doloroso – pelo menos para uma das partes –, a desconexão na internet é mais fácil do que deveria ser. Está a um “desfazer amizade”, “deixar de seguir” ou “bloquear” de distância. A facilidade para se conectar com outros na rede também é a mesma. Por isso, um jovem conseguir 500 novos amigos no Facebook em um dia é uma situação bastante possível.

O principal problema é que isso enfraquece as relações humanas que, segundo Bauman, são uma benção e uma maldição. Por mais que esse tipo de relação possa ser extremamente prazerosa e satisfatória, a força desse laço cria compromissos que impedem a realização de oportunidades futuras não permitidas por causa desses compromissos. O paradoxo que se cria aqui é o de uma pessoa solitária em uma multidão de solitários na mesma situação.

Isso não deve ser visto de forma totalmente pessimista. Se a maioria das relações criadas atualmente se destaca pela superficialidade e pela efemeridade, não significa que não consigamos nos aprofundar ou fazer durar nada. Não é porque a grande maioria das pessoas que conhecemos seja caracterizada dessa maneira que isso impede a criação de laços mais fortalecidos de amizade ou até romance. Pelo contrário. A raridade desse tipo de relação só faz com que os nossos relacionamentos reais sejam ainda mais singulares.

Uma das melhores cenas do filme Gênio Indomável, de 1997, o personagem interpretado pelo saudoso Robin Williams dá um sermão no jovem Will Hunting, vivido por Matt Damon. A lição sobre arrogância e preconceito é uma das cenas mais memoráveis do cinema dos últimos vinte anos.

O importante quando se fala em laços humanos nessa sociedade líquida é perceber que nada deve ser generalizado, mas é preciso se dispor a fazer uma autocrítica e uma autoanálise sobre o tema. Com o passar do tempo, as pessoas e a sociedade se modificam, mas como defende Bauman, os bons valores não devem ser perdidos, mas reinventados.

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